A Última Página da Enciclopédia
E lá foi Nilton Santos encontrar tantos outros
santos. Luto ou agradecimento? Pesar, pesado ou apenas contente? Mesmo não sendo
do seu tempo, agradeço. Agradeço de coração, imerso na estrela que te conduzia.
E tenho certeza, continuará conduzindo. Tu és eterno, monstro. Teus
concorrentes eram apenas laterais ou pontas abusados. Mas não tu. Tu eras gênio,
tu eras a classe operária intelectual, tu eras o futebol.
No último adeus compreendi que imortal não é o
burocrata que serve a Academia Brasileira de Letras. De fato, imortal é,
simplesmente, aquele que não morre. Aquela bandeira esticada sobre o caixão me confirmou
isso. Sarney morrerá, mas Nilton Santos seguirá eterno, eu afirmo. Afinal,
do que valem letras soltas perto de uma enciclopédia completa ou de apenas uma
estrela solitária?
Junto contigo foram histórias e gerações de
jogadores romanticamente ingênuos. Tão ingênuos que bobos eram os outros. O
futebol nunca mais foi o mesmo depois de ti. Ou devo dizer, o futebol jamais
será o mesmo depois de ti. Aceitar o trabalho como lar e dali construir família
e amigos era, e continua sendo, para poucos. Pouquíssimos. Para raros, como
tudo no Botafogo. Para os monstros, apenas, como tudo no Botafogo.
Se Garrincha (teu irmão, compadre, afilhado e filho,
porque não?) cumpriu perfeitamente o papel de Nietzsche dos gramados, saiba que
tu foste a melhor interpretação futebolística de Hegel. E jamais cansarei de
dizer, obrigado por tudo. O apelido não lhe fora dado por estatísticas superficiais
ou por apenas seus dotes de carpintaria. Fora lhe concedidos, principalmente,
por ter sido o monstro da própria enciclopédia.
Tua nareba banhada pelo bigode cinzento ainda é
imitada nas lojas de mágica. Era apenas pôr uns óculos naquela face que ninguém
acreditaria que tais genéticas fossem originais. Punha um destro na lateral
esquerda e ninguém acreditaria que tal genética fosse original. Punha um
malandro de joelhos enviesados para jogar que ninguém acreditaria que tal genética
servisse pro esporte. Ninguém, menos tu, monstro. Ou melhor, ninguém antes de
ti. Tu eras diferente dos demais.
Afirmo não estar triste pelo seu falecimento.
Desculpa, meu velho, mas tu não eras humano para chegar ao ponto de falecer.
Incansável, sigo: Muito obrigado.